No ano de 1975 comecei a trabalhar, aqui em São Paulo, em uma multinacional do ramo químico. Como assistente do Diretor Industrial (que era responsável pela produção e engenharia da indústria), tive contato frequente com as correspondências com a matriz na Alemanha. Hoje em dia pegamos o celular e conversamos em tempo real com uma pessoa do outro lado do globo, sem usar nenhum tipo de linguagem escrita. No remoto ano em que assumi aquele emprego, a coisa era bem diferente.
Digamos que meu chefe, o Dr. V., quisesse comunicar algo
importante a seus pares na Alemanha. Poderia ser um breve relatório, uma
questão a ser resolvida ou um aconselhamento. Ele chamava à sua sala a fiel
secretária, Dona H., que acorria com seu bloco estenográfico e um lápis
apontado – não: afiado. A estenografia é uma forma de escrever rapidamente, com
sinais abreviados, qualquer texto falado. Pois bem, o Dr. V. ditava seu
comunicado à secretária, que o transcrevia no bloco usando o que para mim eram
meros garranchos. Esta era a versão 1 do texto.
Dona H., egressa da enorme sala do chefe, sentava-se à
máquina de escrever (que, diríamos brincando aos adolescentes de hoje, era um
processador de texto eletromecânico com impressora em tempo real) e
datilografava (esse é o verbo) de forma legível suas anotações taquigráficas. A
máquina usada era uma avançadíssima IBM Selectric com esfera de tipos.
Avançadíssima, sim, para a época – hoje é necessário consultar a Wikipédia para
ver como funcionava. Digamos que o Dr. V. pretendesse mandar um telex
(explicado abaixo); então a datilografia ocorria em um formulário próprio.
Estamos na versão 2.
O formulário de telex, devidamente preenchido à máquina, era
levado ao Dr. V., que o “canetava”, ou seja, fazia emendas, correções e
alterações à caneta. Satisfeito com essa revisão do texto, ele o devolvia à
paciente Dona H. ,que o datilografava de novo. Nascia assim a versão 3 do
texto.
Se estivesse satisfeito com aquele estado de coisas, o Dr.
V. assinava o formulário, que era levado à pessoa mais importante do andar da Diretoria.
Não, não era o Presidente, nem a mulher do cafezinho, e sim a operadora do
telex, cujo nome não vem ao caso (nem mesmo a inicial). E o que é o telex?
Trata-se de uma forma de enviar textos a longa distância mediante impulsos
elétricos que se transmitem por linha telefônica. A máquina codifica os
caracteres em impulsos, que são decodificados por outra máquina semelhante no
ponto de destino. Mas a transmissão não era imediata. Aquele texto era primeiro
perfurado em uma longa fita de papel, que esperava o relógio dar as 20h – e as
tarifas telefônicas baratearem – para então ser transmitido em alta velocidade.
Só em caso de vida ou morte o comunicado era digitado diretamente no teclado da
máquina de telex. Aqui o texto assumiu sua versão 4.
Para conferência e arquivamento, uma cópia do texto,
impressa pelo telex, voltava às mãos de Dona H., que a arquivava em uma pasta
com requintes classificatórios. Consideremos isso como a versão 5.
As versões restantes surgiam fora do Brasil: os impulsos
telefônicos na linha internacional; a mensagem impressa pelo telex receptor na
Alemanha; eventuais cópias que eram distribuídas aos vários destinatários na
enfadonha cidade germânica de L.
Note que o processo não tinha nada de instantâneo: podiam
decorrer várias horas entre o ditado e a transmissão, e como esta acontecia
durante a noite o destinatário só recebia a comunicação depois de outras tantas
horas. Um tempo comparável transcorria para a resposta, mesmo que rápida,
chegar às mãos do Dr. V. Isso nos dava mais tempo para refletir, em comparação
com o imediatismo do atual e-mail ou – pior! – do WhatsApp e outros flagelos.
A própria conversa telefônica não era lá muito imediata. Uma
simples conversa com a filial Rio demandava uma liturgia tediosa: nada de
discagem direta. A palavra “discagem”, aliás, vem de “disco”, peça que não faz
mais parte dos aparelhos telefônicos e que muitos jovens nem sabem mais
manusear. Eu pedia à telefonista que me ligasse com a pessoa X na filial. Ela
respondia perguntando por quanto tempo eu estaria em minha mesa. Se precisasse
me ausentar logo seria melhor pedir a ligação em outra hora. Muitos minutos
depois – que poderiam se transformar em horas – a ligação era completada pela
telefonista, que a passava para mim, e aí eu podia falar com meu interlocutor
com a baixa fidelidade da telefonia analógica daqueles tempos. Era frequente a
ligação cair, ou ser adiada para algum horário mais conveniente (ou menos
inconveniente).
Pois é. Se naqueles tempos eu dissesse a meu chefe, o
eficiente Dr. V., que no futuro ele mesmo haveria de se sentar diante de um
teclado e compor com os próprios dedos seus memorandos e sua correspondência
internacional, eu ouviria uma sonora risada germânica e alguma observação sobre
“as ideias desses jovens recém-formados”.
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