2023-03-30

No blog de Scull e Hammond | On the blog of Scull and Hammond

Já faz quase dois anos, mas me lembrei da honrosa menção do grupo Tolkien Talk - e minha - no blog Too Many Books and Never Enough de Christina Scull e Wayne Hammond, o mais famoso e mais produtivo casal na área da pesquisa tolkieniana. A entrevista a que eles se referem pode ser encontrada aqui.


It has been almost two years, but I remembered the honourable mention of the Tolkien Talk group - and myself - on the blog Too Many Books and Never Enough by Christina Scull and Wayne Hammond, the most famous and most productive couple in Tolkienian research. The interview they refer to may be found here.




2023-03-23

Comunicação multinacional... há 48 anos

No ano de 1975 comecei a trabalhar, aqui em São Paulo, em uma multinacional do ramo químico. Como assistente do Diretor Industrial (que era responsável pela produção e engenharia da indústria), tive contato frequente com as correspondências com a matriz na Alemanha. Hoje em dia pegamos o celular e conversamos em tempo real com uma pessoa do outro lado do globo, sem usar nenhum tipo de linguagem escrita. No remoto ano em que assumi aquele emprego, a coisa era bem diferente.

Digamos que meu chefe, o Dr. V., quisesse comunicar algo importante a seus pares na Alemanha. Poderia ser um breve relatório, uma questão a ser resolvida ou um aconselhamento. Ele chamava à sua sala a fiel secretária, Dona H., que acorria com seu bloco estenográfico e um lápis apontado – não: afiado. A estenografia é uma forma de escrever rapidamente, com sinais abreviados, qualquer texto falado. Pois bem, o Dr. V. ditava seu comunicado à secretária, que o transcrevia no bloco usando o que para mim eram meros garranchos. Esta era a versão 1 do texto.

Dona H., egressa da enorme sala do chefe, sentava-se à máquina de escrever (que, diríamos brincando aos adolescentes de hoje, era um processador de texto eletromecânico com impressora em tempo real) e datilografava (esse é o verbo) de forma legível suas anotações taquigráficas. A máquina usada era uma avançadíssima IBM Selectric com esfera de tipos. Avançadíssima, sim, para a época – hoje é necessário consultar a Wikipédia para ver como funcionava. Digamos que o Dr. V. pretendesse mandar um telex (explicado abaixo); então a datilografia ocorria em um formulário próprio. Estamos na versão 2.

O formulário de telex, devidamente preenchido à máquina, era levado ao Dr. V., que o “canetava”, ou seja, fazia emendas, correções e alterações à caneta. Satisfeito com essa revisão do texto, ele o devolvia à paciente Dona H. ,que o datilografava de novo. Nascia assim a versão 3 do texto.

Se estivesse satisfeito com aquele estado de coisas, o Dr. V. assinava o formulário, que era levado à pessoa mais importante do andar da Diretoria. Não, não era o Presidente, nem a mulher do cafezinho, e sim a operadora do telex, cujo nome não vem ao caso (nem mesmo a inicial). E o que é o telex? Trata-se de uma forma de enviar textos a longa distância mediante impulsos elétricos que se transmitem por linha telefônica. A máquina codifica os caracteres em impulsos, que são decodificados por outra máquina semelhante no ponto de destino. Mas a transmissão não era imediata. Aquele texto era primeiro perfurado em uma longa fita de papel, que esperava o relógio dar as 20h – e as tarifas telefônicas baratearem – para então ser transmitido em alta velocidade. Só em caso de vida ou morte o comunicado era digitado diretamente no teclado da máquina de telex. Aqui o texto assumiu sua versão 4.

Para conferência e arquivamento, uma cópia do texto, impressa pelo telex, voltava às mãos de Dona H., que a arquivava em uma pasta com requintes classificatórios. Consideremos isso como a versão 5.

As versões restantes surgiam fora do Brasil: os impulsos telefônicos na linha internacional; a mensagem impressa pelo telex receptor na Alemanha; eventuais cópias que eram distribuídas aos vários destinatários na enfadonha cidade germânica de L.

Note que o processo não tinha nada de instantâneo: podiam decorrer várias horas entre o ditado e a transmissão, e como esta acontecia durante a noite o destinatário só recebia a comunicação depois de outras tantas horas. Um tempo comparável transcorria para a resposta, mesmo que rápida, chegar às mãos do Dr. V. Isso nos dava mais tempo para refletir, em comparação com o imediatismo do atual e-mail ou – pior! – do WhatsApp e outros flagelos.

A própria conversa telefônica não era lá muito imediata. Uma simples conversa com a filial Rio demandava uma liturgia tediosa: nada de discagem direta. A palavra “discagem”, aliás, vem de “disco”, peça que não faz mais parte dos aparelhos telefônicos e que muitos jovens nem sabem mais manusear. Eu pedia à telefonista que me ligasse com a pessoa X na filial. Ela respondia perguntando por quanto tempo eu estaria em minha mesa. Se precisasse me ausentar logo seria melhor pedir a ligação em outra hora. Muitos minutos depois – que poderiam se transformar em horas – a ligação era completada pela telefonista, que a passava para mim, e aí eu podia falar com meu interlocutor com a baixa fidelidade da telefonia analógica daqueles tempos. Era frequente a ligação cair, ou ser adiada para algum horário mais conveniente (ou menos inconveniente).

Pois é. Se naqueles tempos eu dissesse a meu chefe, o eficiente Dr. V., que no futuro ele mesmo haveria de se sentar diante de um teclado e compor com os próprios dedos seus memorandos e sua correspondência internacional, eu ouviria uma sonora risada germânica e alguma observação sobre “as ideias desses jovens recém-formados”.