Mostrando postagens com marcador História | History. Mostrar todas as postagens
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2023-03-23

Comunicação multinacional... há 48 anos

No ano de 1975 comecei a trabalhar, aqui em São Paulo, em uma multinacional do ramo químico. Como assistente do Diretor Industrial (que era responsável pela produção e engenharia da indústria), tive contato frequente com as correspondências com a matriz na Alemanha. Hoje em dia pegamos o celular e conversamos em tempo real com uma pessoa do outro lado do globo, sem usar nenhum tipo de linguagem escrita. No remoto ano em que assumi aquele emprego, a coisa era bem diferente.

Digamos que meu chefe, o Dr. V., quisesse comunicar algo importante a seus pares na Alemanha. Poderia ser um breve relatório, uma questão a ser resolvida ou um aconselhamento. Ele chamava à sua sala a fiel secretária, Dona H., que acorria com seu bloco estenográfico e um lápis apontado – não: afiado. A estenografia é uma forma de escrever rapidamente, com sinais abreviados, qualquer texto falado. Pois bem, o Dr. V. ditava seu comunicado à secretária, que o transcrevia no bloco usando o que para mim eram meros garranchos. Esta era a versão 1 do texto.

Dona H., egressa da enorme sala do chefe, sentava-se à máquina de escrever (que, diríamos brincando aos adolescentes de hoje, era um processador de texto eletromecânico com impressora em tempo real) e datilografava (esse é o verbo) de forma legível suas anotações taquigráficas. A máquina usada era uma avançadíssima IBM Selectric com esfera de tipos. Avançadíssima, sim, para a época – hoje é necessário consultar a Wikipédia para ver como funcionava. Digamos que o Dr. V. pretendesse mandar um telex (explicado abaixo); então a datilografia ocorria em um formulário próprio. Estamos na versão 2.

O formulário de telex, devidamente preenchido à máquina, era levado ao Dr. V., que o “canetava”, ou seja, fazia emendas, correções e alterações à caneta. Satisfeito com essa revisão do texto, ele o devolvia à paciente Dona H. ,que o datilografava de novo. Nascia assim a versão 3 do texto.

Se estivesse satisfeito com aquele estado de coisas, o Dr. V. assinava o formulário, que era levado à pessoa mais importante do andar da Diretoria. Não, não era o Presidente, nem a mulher do cafezinho, e sim a operadora do telex, cujo nome não vem ao caso (nem mesmo a inicial). E o que é o telex? Trata-se de uma forma de enviar textos a longa distância mediante impulsos elétricos que se transmitem por linha telefônica. A máquina codifica os caracteres em impulsos, que são decodificados por outra máquina semelhante no ponto de destino. Mas a transmissão não era imediata. Aquele texto era primeiro perfurado em uma longa fita de papel, que esperava o relógio dar as 20h – e as tarifas telefônicas baratearem – para então ser transmitido em alta velocidade. Só em caso de vida ou morte o comunicado era digitado diretamente no teclado da máquina de telex. Aqui o texto assumiu sua versão 4.

Para conferência e arquivamento, uma cópia do texto, impressa pelo telex, voltava às mãos de Dona H., que a arquivava em uma pasta com requintes classificatórios. Consideremos isso como a versão 5.

As versões restantes surgiam fora do Brasil: os impulsos telefônicos na linha internacional; a mensagem impressa pelo telex receptor na Alemanha; eventuais cópias que eram distribuídas aos vários destinatários na enfadonha cidade germânica de L.

Note que o processo não tinha nada de instantâneo: podiam decorrer várias horas entre o ditado e a transmissão, e como esta acontecia durante a noite o destinatário só recebia a comunicação depois de outras tantas horas. Um tempo comparável transcorria para a resposta, mesmo que rápida, chegar às mãos do Dr. V. Isso nos dava mais tempo para refletir, em comparação com o imediatismo do atual e-mail ou – pior! – do WhatsApp e outros flagelos.

A própria conversa telefônica não era lá muito imediata. Uma simples conversa com a filial Rio demandava uma liturgia tediosa: nada de discagem direta. A palavra “discagem”, aliás, vem de “disco”, peça que não faz mais parte dos aparelhos telefônicos e que muitos jovens nem sabem mais manusear. Eu pedia à telefonista que me ligasse com a pessoa X na filial. Ela respondia perguntando por quanto tempo eu estaria em minha mesa. Se precisasse me ausentar logo seria melhor pedir a ligação em outra hora. Muitos minutos depois – que poderiam se transformar em horas – a ligação era completada pela telefonista, que a passava para mim, e aí eu podia falar com meu interlocutor com a baixa fidelidade da telefonia analógica daqueles tempos. Era frequente a ligação cair, ou ser adiada para algum horário mais conveniente (ou menos inconveniente).

Pois é. Se naqueles tempos eu dissesse a meu chefe, o eficiente Dr. V., que no futuro ele mesmo haveria de se sentar diante de um teclado e compor com os próprios dedos seus memorandos e sua correspondência internacional, eu ouviria uma sonora risada germânica e alguma observação sobre “as ideias desses jovens recém-formados”.

 

2021-11-18

Treze fantasmas | Thirteen ghosts

Por trás de cada homem que hoje vive estão trinta fantasmas, pois essa é a proporção pela qual os mortos superam os vivos. Desde o alvorecer dos tempos, cerca de cem bilhões de seres humanos caminharam no planeta Terra.

Ora, esse é um número interessante, pois, por uma curiosa coincidência, há aproximadamente cem bilhões de estrelas em nosso universo local, a Via Láctea. Assim, para cada homem que já viveu, uma estrela brilha neste Universo.

[Trad. RK]

 Estas palavras estão no início de 2001: Uma Odisseia no Espaço de Arthur C. Clarke, publicado em 1968, quando a população mundial era de 3,5 bilhões. Hoje, que somos 7,9 bilhões, poderíamos dizer que treze fantasmas caminham atrás de cada ser humano.


Behind every man now alive stand thirty ghosts, for that is the ratio by which the dead outnumber the living. Since the dawn of time, roughly a hundred billion human beings have walked the planet Earth.

Now this is an interesting number, for by a curious coincidence there are approximately a hundred billion stars in our local universe, the Milky Way. So for every man who has ever lived, in this Universe there shines a star.

These words stand at the beginning of 2001: A Space Odyssey by Arthur C. Clarke, published in 1968, when the world's population was 3.5 billion. Today we are 7.9 billion, and we might say that thirteen ghosts walk behind every human being.

2021-11-08

História da Matemática | History of Mathematics

 Uma mostra educativa (e interessante até para quem já se aprofundou na matemática) no site do National Museum of Mathematics [Museu Nacional da Matemática] de NY


An educational exhibit (and one interesting even for those who are already deep within mathematics) on the National Museum of Mathematics's site from NY




2021-10-25

Os Arcos do Bixiga em São Paulo | The Bixiga Arches in São Paulo

Em junho de 1987 eu soube que uma fileira de casas antigas na R. da Assembléia, em São Paulo, iria ser demolida. Resolvi ir ao bairro do Bixiga para fotografar a demolição “por atacado”, ordenada pela Prefeitura. O surpreendente foi que atrás das casas – cujos fundos davam para a R. Jandaia, que sobe para um nível vários metros acima – revelaram-se arcos de alvenaria que haviam formado, por assim dizer, o muro dos fundos daquelas construções. A descoberta foi surpreendente até mesmo para muitos historiadores da cidade. Soube-se que a obra fora feita entre 1908 e 1913 por artesãos calabreses, para sustentar a ladeira da R. Jandaia.

Os moradores das casas (que se haviam transformado em cortiços) foram deslocados, ao que consta, para moradias populares bem longe do centro. Os arcos hoje estão visíveis, formando um lado de uma alça viária da Av. 23 de Maio. O longo quarteirão que era a R. da Assembléia não existe mais.


 In June 1987 I heard that a row of old houses on Assembléia Street in São Paulo was going to be torn down. I decided to go to the Bixiga neighbourhood to photograph the “wholesale” demolition ordered by City Hall. The surprising thing was that behind the houses – whose backsides abutted on Jandaia Street, which rises to a level several metres above – there came to light masonry arches which had formed, so to speak, the rear wall of those buildings. The discovery was surprising even to many city historians. It became known that the work had been done between 1908 and 1913 by Calabrian craftsmen to support the Jandaia Street slope.

The inhabitants of the houses (which had become tenements) were removed, as it seems, to popular dwellings far away from downtown. Currently the arches are visible, making up one side of a road interchange of 23 de Maio Avenue. The long block that was Assembléia Street no longer exists.


Demolindo... | Tearing down...

... começando por uma extremidade | ... starting from one end

Algumas casas tinham estilo | Some houses were stylish

Algumas semanas mais tarde: os arcos à vista | Some weeks later: the arches in view

No início de 1988 | In early 1988

Hoje os arcos são um ponto de referência do bairro | Today the arches are a neighbourhood landmark

2021-09-24

O sequestro de Eichmann | Eichmann's kidnapping

O homem que organizou o Holocausto, Adolf Eichmann, escondeu-se na Argentina após a guerra. O filme animado The Driver is Red [O Motorista é Vermelho] conta como ele foi sequestrado por agentes do Mossad (o serviço secreto israelense) para ser julgado em Jerusalém.


The man who organised the Holocaust, Adolf Eichmann, went into hiding in Argentina after the war. The animated movie The Driver is Red tells how he was kidnapped by agents of the Mossad (the Israeli secret service) to be judged in Jerusalem.

2021-09-22

Uma sub-criação coletiva | A collective sub-creation

 Ill Bethisad (que tem seu próprio Wiki) é nosso próprio mundo em uma linha de tempo alternativa construída coletivamente, que parte de alguns pontos de divergência. E a inspiração original foi linguística! Explore o IBWiki, que tem um verbete sobre Tolkien (que lá foi Sir Ronald) e outro sobre O Senhor dos Anéis, com o Poema do Anel em línguas sub-criadas.


Ill Bethisad (which has its own Wiki) is our own world on a collectively-constructed alternative timeline, starting from some points of divergence. And its original inspiration was linguistic! Explore the IBWiki, which has an entry on Tolkien (who was Sir Ronald there) and another one on The Lord of the Rings, with the Ring-verse in sub-created languages.

2021-09-13

Antigamente era tudo melhor?

 Em sites de fotos antigas e relatos do século passado, é comum ler comentários como “Antigamente era tudo melhor e mais fácil”, “As pessoas eram educadas e se vestiam bem”, “Que saudade daqueles dias de outrora”. Afirmo que os velhos tempos eram perigosos, desconfortáveis e injustos, em que pesem as lembranças de nossa infância, quase sempre luminosas.


Em fotos da primeira metade do século XX, quase todos os homens usam terno (muitas vezes com colete) e chapéu, em todas as estações do ano. Proporcionalmente, veem-se poucas mulheres nas ruas.

A violência doméstica e os preconceitos de raça e opção sexual eram ainda mais comuns que hoje em dia, mas não eram algo que se mencionasse ou fosse objeto de protesto público; pelo contrário, eram escondidos.

O analfabetismo era majoritário em vastas áreas do país. Os votos de cabresto eram a regra nas regiões menos esclarecidas; os candidatos ricos e poderosos influenciavam as eleições.

A poliomielite e a varíola assolavam a população infantil, sem pouparem os adultos; isso sem falar nas outras doenças.

Era muito comum cozinhar e fritar usando banha e outras gorduras animais. Aliás, as frituras estavam mais em moda que hoje.

A expectativa de vida era bem inferior à atual, e a mortalidade infantil mais alta; muitos dos diagnósticos e tratamentos que hoje são acessíveis a muitos nem haviam sido criados.

Protetor solar nem era um conceito presente na consciência das pessoas, incluindo a classe médica.

Os eletrodomésticos se restringiam a um mínimo técnico; qualquer serviço de casa era penoso e consumia muito tempo.

Os carros daquela “era dourada” não costumavam ter ar condicionado, nem direção hidráulica ou câmbio automático. O cinto de segurança era desconhecido, e viajávamos sem o mínimo de proteção nem contra pequenos impactos no trânsito urbano.

Fumava-se cigarro em toda a parte: no avião e nos restaurantes (ali havia as chamadas “áreas de não-fumantes”, onde estes ficavam restritos e nem um pouco a salvo da fumaça), assim como nos locais de trabalho, nos ônibus...

O acesso a informação e comunicação era bem mais limitado até os últimos anos do século XX: a revolução da internet era inimaginável, e quem quisesse falar ao telefone longe de casa ou do trabalho muitas vezes se sujeitava às filas nos orelhões.

A qualidade e variedade da programação de TV, tanto pelo conteúdo quanto pela técnica, era limitadíssima; os filmes estreavam nos cinemas meses depois do país de origem.

Atualmente qualquer celular é dotado de GPS. Ainda no fim do século passado, o único modo de se orientar na cidade ou na estrada eram os mapas, que precisavam ser atualizados e exigiam um mínimo de habilidade para serem úteis.

A variedade de mercadorias disponíveis aumentou muito nas últimas décadas. Ainda em meados do século XX produtos importados eram raros, e quase não havia alternativas de compra – e portanto opções de qualidade – para a maioria dos artigos.

A automação bancária atingiu níveis que eram impensáveis poucas décadas atrás. Valores altos tinham de ser pagos em dinheiro ou cheque, e todos andavam com a carteira recheada, com o risco e desconforto que isso implica.


Por estas e outras, meus caros, não elogiemos demais os “bons velhos tempos” e sejamos gratos pela vida relativamente fácil e segura de que desfrutamos hoje.